Créditos: MimosoNews
Por: Luís Salvador Poldi Guimarães (Dodô)
Osama Bin Laden está morto (02/05/2011) e o Ocidente se regozija (comemora) a sua execução. A despeito de sua real importância no Oriente Médio e no mundo muçulmano, no Ocidente, Osama Bin Laden ainda evoca uma significância desproporcional. Mas também de outra forma o mundo mais uma vez contempla o Oriente Médio e os Muçulmanos, enxergando algo novo. Os acontecimentos no norte da África e no Oriente Médio em 2011, que vêm sendo chamados por alguns de “Arab Spring” (Primavera Árabe), vêm desafiando muito daquilo que se julgava saber sobre a região. No processo, muito do poder significativo de Osama Bin Laden perdeu força. Para alguns, as revoltas de meados de 2011 no mundo árabe são uma forma de redenção sociocultural e político-histórico, na qual o passado a ser redimido é impregnado de significações religiosas.
As revoltas deixam para trás com vistas ao (nosso) admirável mundo novo de Aldous Huxley. De que forma entender hoje, então, o lugar do Islã enquanto força política no Oriente Médio?
Muitos analistas políticos se viram tentados a explicar a possibilidade da chamada Primavera Árabe, que poucos antes haviam sugerido tangibilidade. Onde estariam os atores políticos capazes de transformar a região desta forma? Quais seriam as elites políticas por detrás desse processo, quais seriam os laços transnacionais e os interesses das grandes potências do trás disso? Mal sabia a maioria que o principal agente estava logo ali ao lado: o próprio povo. Não sabiam por que no “Ocidente” o povo do Oriente Médio evocava outras formas imaginárias. Formas estas, atualmente, sobretudo após o 11 de setembro, dominadas pelas representações de um conflito entendido enquanto ontológico (ciência que procura provar a explicação dos fenômenos) entre as forças culturais do “Ocidente” e as forças culturais do “Islã”.
Desde os tempos do Império Romano (200 a.C. – 476 d.C. = 676 anos), do Império Bizantino (313 d.C. – 636 d.C. = 323 anos) e das Cruzadas (1.095 – 1.291 = 200 anos), o imaginário europeu sobre o Oriente era em grande medida definido como uma imagem especular invertida do Ocidente, que haveria de ser transformado (civilizado) através das conquistas imperiais europeias. Porém, o século XIX (1800) demonstrou um interesse especial em tudo aquilo que fosse oriental. De forma diferente, o oriental atraía justamente por continuar ocupando o lugar extremo do “outro”; da terra árdua (desértica), de outra moralidade, de sensualidade incontrolável, do exótico oásis a ser conquistado pela aventura do ocidental – e não raro o Oriente era mesmo celebrado por estas qualidades. Muitos foram os pintores, escritores e viajantes que retrataram seus olhares sobre o Oriente, geralmente após viver por breves (ou não tão breves) períodos entre os orientais.
Retratado na forma de diários de viagens, contos, poemas, romances, pinturas, fotografia e outros.
Por isto que amo a disciplina denominada de Antropologia, porque foi esta ciência que se opôs fortemente contra o imperialismo. Contra a exploração dos países pobres pelos países ricos.
Quais conexões existem entre o norte da África e o Oriente Médio? A resposta mais direta é a seguinte: o norte da África é composto por uma maioria de árabes, uma maioria de muçulmanos e passou por processos históricos e sociais semelhantes ao Oriente Médio. Foram muitos os impérios que passaram pela região. É possível perceber a interconexão entre o Oriente Próximo e a região do Egito já a partir de 3 mil anos atrás e, mais tarde, mesmo ainda antes da expansão do islã, se verifica uma aproximação política, cultural e social de todo o norte da África com o Oriente Próximo e à Mesopotâmia. Chegando a se confundir!
Para se entender essa ligação com mais propriedade é preciso, no entanto, fazer um sintético mergulho no tempo para entender a profundidade dos regimes políticos históricos na região.
Pode-se começar há mais ou menos 3 mil anos, com o início do Império Médio do Egito (2.040 a.C.). Logo depois, veio o Império Hitita (1343 a.C. – 1.200 a.C.), seguindo-se a este o Reino de Israel (930 a.C.). Depois, seguiu-se o Império Assírio (609 a.C.) e, com a sua dissolução, surgiu o Império Babilônico (600 a.C.) seguido pelo Império Persa (550 a.C.). Durante todo esse tempo – mais de 3.350 anos – o Egito sempre esteve ligado ao Oriente Médio, muito mais diretamente que ao resto do norte da África. Mas com a chegada dos persas na faixa mediterrânea do norte da África liga-se politicamente em definitivo ao Oriente Médio de forma mais radical.
Foi só então que surgiu o Império Macedônico (359 a.C.)de Alexandre, o Grande – que simbolicamente marca para a maioria dos ocidentais o início da cultura ocidental. Como é sabido, foi Roma (República Romana e Império Romano) que trouxe a derrocada final do Império de Alexandre, o Grande. O maior império que o mundo tinha visto até então, assim como o anterior, tinha raízes no que hoje é considerado o território ocidental. Já a queda do Império Romano trouxe o domínio sobre o Mediterrâneo mais uma vez para a periferia da Europa, com a ascensão do Império Bizantino – o primeiro império a tomar a região que desde seu início ao seu fim se definiu como cristão. Durante a existência do Império Bizantino surgiu e desapareceu o poderoso Império Sassânida. Contudo até então a região tinha se desenvolvido, tal como o resto do mundo, sem o islã. Não existia ainda o Islã no Planeta. Esta religião não havia ainda sido criada!
Desde o surgimento do islã (610 d.C.), até sua expansão máxima pelo Oriente Médio durante o período da Dinastia Omíada, não se passou muito tempo. Os territórios dos muçulmanos à época da morte de Maomé (08/06/632 d.C.) se expandiram por todo o Golfo Pérsico. Porém, foi durante o reinado dos Rashidun (os quatro primeiros califas, conhecidos como os justos), que o islã (e com ele, os árabes) tornou-se uma força política marcante no Oriente Médio como um todo, ocupando desde o norte da Líbia, passando por todo o Golfo Pérsico, até a Síria e o Cáucaso ao norte, passaram para o outro lado chegando ao Irã, alcançaram o Paquistão e o Afeganistão ao oeste. Depois disto, muitas outras dinastias islâmicas se seguiram, várias vezes ocupando partes diferentes do território de domínio muçulmano. Em seu auge, estes territórios englobavam a Península Ibérica, o Marrocos, quase toda a Argélia, a Tunísia, a maior parte da Líbia, o Egito.
E continuaram a expansão para Israel e os Territórios Ocupados, o Golfo Pérsico, a Síria, o Líbano, o leste da Turquia, o Cáucaso, até ao Iraque. A expansão do islã provocada pelos árabes pode ser entendida hoje como um “evento crítico”. Isto por causa de seu poder transformador, dado que o Islã junto com os árabes vieram a influenciar radicalmente toda esta região que em grande medida ainda hoje se define (e é definida) a partir deste evento (expansão do Islã como Religião). Também é importante notar que a maior parte da Península Arábica e o Marrocos apenas passaram a compartilhar os mesmos fluxos e processos históricos do Oriente Médio depois da expansão do islã.
Mas o islã não foi apenas representado pelos árabes, e logo outros grupos étnicos da região fizeram parte do rol de impérios muçulmanos, que de alguma forma buscavam legitimidade política através do islã.
Primeiro veio o Império Seljúcida (turcos 1037 – 1194 = 157 anos), seguido da dinastia dos Aiúbidas (curdos) – conhecida por ser o império de Saladin – do Império Mongol e por fim o Império Otomano (turcos). Nesse meio tempo, outros grupos étnicos de religião muçulmana ascenderam ao poder, tal como os persas no Irã sob a dinastia xiita dos Safávidas.
Durante o período da Dinastia Seljúcida (1037 – 1194 = 157 anos), a Europa, em nome do cristianismo, resolveu revidar a perda política e religiosa e iniciou as Cruzadas – que aconteceram em vários períodos distintos, mas todas entre o final do século XI (1097) e se estenderam até o século XIII (1200). É então que surgem os Aiúbidas, que retomam Jerusalém e se expandem por outros territórios. A seguir, o Império Mongol ascende, conquistando tudo em seu caminho.
O Império Mongol foi o maior império (em termos de ocupação de terras contíguas) que já passou pelo mundo; chegando a ocupar desde a Coreia e a China inteira até a fronteira da Romênia com a Sérvia (adversária do Brasil) , passando, entre outros, pelo Irã, norte do Iraque, uma faixa ao norte da Síria, o Cáucaso e quase toda a Turquia. É importante lembrar que o Império Mongol tornou-se muçulmano durante sua expansão e após o contato com o Oriente Médio. Resta apenas citar o império que dominou o Oriente Médio por mais tempo: o Império Otomano. Este império chegou a conquistar o norte da Argélia, a Tunísia, quase toda a Líbia, Israel e os Territórios Ocupados, o Líbano, a Jordânia, a Síria, a Turquia, a Grécia, os Bálcãs, o Cáucaso, as pontas noroeste e leste do Irã, o Iraque, o Kuwait, a maior parte do Iêmen e uma faixa ao leste e outra ao norte da Arábia Saudita.
Tanto por causa da duração extremamente longa do Império Otomano (> 600 anos 1299 - 1923), quanto por causa do período relativamente curto de sua dissolução, este império está sem dúvida entre aqueles que mais marcaram a região nos dias de hoje. Por exemplo, atualmente muitos dos países que emergiram no Oriente Médio têm como base as regiões administrativas otomanas – muitas das quais, por sua vez, tinham como base enclaves e fluxos políticos e étnicos. Outro grande exemplo é que o sistema político libanês (o confessionalismo) é fruto de uma relação política e de uma organização social no resto das terras do finado império Otomano, na maioria das vezes informal, mas um tanto quanto importante, tem parte de sua origem no sistema otomano de Millet (côrte jurídica - governo paralelo) que acabou por definir as minorias religiosas enquanto grupos corporados.
O Confessionalismo adotado pelo Líbano é bastante interessante. Por Constituição eles elegem 64 deputados que obrigatoriamente devem ser mulçumanos e outros 64 que obrigatoriamente devem ser cristãos. Estabeleceram esta forma de governo na Constituição do Líbano no ano de 1926.
O Líbano, está hoje em plena deriva econômica e financeira, se encontra desde 31/10/2022 sem presidente, depois que o mandato de Michel Aoun expirou sem que o Parlamento, profundamente dividido, tenha elegido um novo chefe de Estado. Portanto, há 30 dias sem um Presidente. O país está sendo dirigido por um governo interino com poderes limitados que não pode tomar decisões importantes ou aplicar as reformas exigidas pela comunidade internacional em troca da esperada ajuda econômica.
Voltando a nosso texto, como consequência de toda essa história de ocupação, deve-se entender que o Oriente Médio não é apenas formado por árabes muçulmanos, mas também por minorias étnicas e religiosas que hoje disputam espaço político complicando a arena política regional. Outra das grandes lições que esta história apresenta é que, para além do evento crítico da expansão do islã, o norte da África já pertencia tanto ao Mediterrâneo quanto ao Oriente Médio. Como pertencimento, aqui, refere-se ao conceito antropológico de “pertencimento social”, que significa algo semelhante ao pertencimento de um sujeito a uma família e a possibilidade de múltiplas formas de lealdade. Contudo, enquanto o Mediterrâneo Europeu passou a ter certo desenvolvimento à parte, sobretudo com a chegada da Idade Média, o norte da África, a partir da conquista árabe, esteve cada vez mais ligado aos processos histórico-sociais do Oriente Médio.
Quer dizer, sua identidade (norte da África) está ligada, nesse caso, historicamente, socialmente, etnicamente, politicamente, economicamente e religiosamente ao Oriente Médio – ao menos tanto quanto as descontinuidades étnicas, políticas e religiosas locais ligam diferentes grupos a outras geografias imaginadas. Parte essencial do argumento é que são justamente as continuidades históricas imaginadas entre toda esta região – que se estende desde o norte da África, passando pelo Cáucaso e pela Península Arábica e chegando ao leste até o Paquistão e o Afeganistão – que explicam porque as revoltas na Tunísia espalharam-se tão rapidamente e tão consistentemente pela região como um todo. Além disso, como se explicará numa outra oportunidade no Nosso Programa Cultural, que as mesmas continuidades regionais explicam porque a Primavera Árabe deve ser entendida segundo um contexto histórico recente mais amplo, que inclui também recentes eleições na Turquia e revoltas no Irã (chamadas de Revolução Verde).
Por isso, a partir de agora, passa-se a se referir ao termo Oriente Médio como englobando o norte da África. Para este texto, a definição de “Oriente Médio” segue como critério não a geologia ou, ainda, uma geografia política que tende a ressaltar as continuidades e as descontinuidades entre os continentes em detrimento de outras, mas, sim, pertencimentos sociais e culturais (entre os quais a política, a etnicidade e a religião estão subsumidos).
Essa história também expõe algumas das fragilidades por detrás da tese eurocêntrica (como aquela de Huntington) de que, enquanto a Civilização Ocidental tem Grécia e Roma como elementos fundadores, o Oriente se funda em uma base completamente distinta.
Foi, inclusive, em grande medida, por meio de uma maioria de intelectuais judeus, durante os califados árabes, que pensadores gregos se tornaram parte da tradição intelectual dita ocidental. Para além da sequência de pertencimento político aqui citado – que demonstra que Grécia e Roma fazem parte da herança história da Europa tanto quanto do Oriente Médio –, resta ainda lembrar que muitas das grandes ideias e invenções do Ocidente foram na verdade iterações de elementos vindos do Oriente. Para citar duas das mais importantes invenções, temos o próprio alfabeto latino (e mesmo o cirílico), que surge em decorrência de modificações do alfabeto grego, que, por sua vez, foi uma modificação do alfabeto fenício (Médio Oriental – região do atual Líbano). Até mesmo o número arábico em detrimento dos números romanos.
Há quem defenda que mesmo a própria dicotomia entre o bem e o mal – tão fundante da teologia cristã – é, na verdade, um empréstimo da doutrina maniqueísta e do zoroastrismo persa – difundida através das conquistas imperiais do Oriente. E a lista de elementos como estes é praticamente infindável.
Pode-se concluir, assim, que tanto ocidentais quanto orientais erigiram civilizações com base nesse conhecimento comum, para além de algumas particularidades. O acento maior na diferença que uma civilização ou outra escolhe para si é mais uma construção seletiva de certa “linhagem” ancestral (com todas as suas implicâncias) que a suposta verdade perpetrada pelo axioma de que suas origens são completamente distintas e seus desenvolvimentos históricos paralelos apenas raras vezes tangentes.
Tal “invenção da tradição” é então, antes de mais nada, uma atitude político-ideológica com força ilocucionária e efeitos perlocucionários que muitas vezes escapam à intenção daqueles que assim encaram o mundo. E, diante disto, só nos resta entender que esse “outro oriental” não é assim tão distante de “nós” quanto às vezes ambos os lados fazem parecer. Ainda que diferentes, ocidentais e orientais compartilhem muito de uma história e processos sociais comuns.
Considerando que grande parte do Oriente Médio se encontrava sobre domínio Otomano até o final da Primeira Guerra Mundial (1918), o que aconteceu com a região depois da libertação deste julgo imperial é a chave para se entender o Oriente Médio de hoje.
Basicamente, como os otomanos tinham se alinhado à Alemanha, os ingleses e seus aliados (sobretudo a França) buscaram apoio político entre grupos locais insatisfeitos com a “Porta” (como era chamada a burocracia estatal otomana). As minorias étnicas do Império Otomano (maioria populacional) formaram o núcleo duro de combate interno aos otomanos; entre eles, estavam os árabes, os armênios e os judeus (estes últimos árabes ou não).
Os registros demonstram que os ingleses negociavam com um e outro grupo, prometendo por vezes as mesmas concessões sem que um grupo tivesse conhecimento da negociação com o outro. O apoio dos judeus, sobretudo, através de entidades sionistas ligadas a Theodor Hertzel (pai do sionismo político moderno – Tratado de Balfour), foi garantido mediante a promessa de fundação de uma terra para os judeus. Uma promessa de Deus feito valer pela Inglaterra!
Alguns dos mais importantes sionistas e seus aliados não eram judeus, mas cristãos ingleses que ocupavam alguns dos cargos mais importantes da burocracia britânica da época. Já o apoio dos árabes foi garantido mediante a promessa de devolução das terras árabes sob o julgo do Império Otomano de volta aos árabes e resultou na Revolta Árabe de 1916 (narrada por mim no Programa Anterior quando narrei o filme Lawrence da Arábia, liderada pelo hachemita (descendente de Maomé) xerife Hussein Ibn Ali (emir de Meca interpretado por Omar Sharif). As abundantemente correspondências entre os britânicos e Hussein Ibn Ali demonstram tal promessa e ilustram a mediação. Contudo, a derrocada final do Império Otomano trouxe a realização de projetos políticos distintos, já em preparo concomitantemente com as negociações com os grupos internos que se rebelaram contra o Império Otomano. No final, o que prevaleceu foram os acordos com a França e os interesses políticos mais imediatos do Império Britânico (sobretudo, acordos e tratados como Balfour e Sykes-Picot ambos já contemplados aqui na rádio) – alguns dos quais coincidindo com algumas das demandas das elites daquelas minorias étnicas que os tinham apoiado – o que quase nunca correspondia aos interesses das massas.
O Katar é um apêndice localizado no Oriente Médio. Uma tripinha que adentra o Golfo Pérsico. O Katar possui 11.571 km². O Estado do Espírito Santo é 4 vezes maior do que o País Katar. O PIB do Katar é de 180 bilhões de dólares americano.O PIB anual do nosso Estado é de 125 bilhões de dólares americanos. Ou seja, o PIB deles é apenas 20% maior do que o do Estado do Espírito Santo. O país Katar é considerado o país mais rico do mundo. O Katar é um Emirado. O que é ser um emirado? Significa que o seu Chefe de Governo é um Emir. Hoje, Tamim bin Hamad Al Thani (150 anos de reinado desta família = dinastia). Com uma população de 2,8 milhões de habitantes. Nosso Estado possui hoje 4,1 milhões de habitantes. O fuso horário é de 6 horas a mais. Lá agora são 04h00min da manhã. Enquanto aqui são 22h00min da noite. Foi um protetorado britânico. Tornou-se independente em 1971 (51 anos de independência).